domingo, 30 de dezembro de 2012

O Cristão no Mundo


O cristão crê em um Deus de Amor, um Deus Pai que ama imensamente suas criaturas. Não está provado que o que Deus criou é bom, mas o cristão crê nisso. E crê porque Cristo deu a sua vida na cruz para sustentar a esperança de encontrar essa confirmação no fim de tudo.
O que distingue o Deus dos cristãos é o amor, seja na criação, seja no sacrifício na cruz. E a consequência da fé nesse Deus é a oportunidade de participarmos da criação do Amor no mundo, estendendo o sacrifício de Cristo. Quando nos entregamos ao Espírito do Amor e nos dispomos a seguir Jesus no desprezo pelas afrontas e na misericórdia pelos sofredores somos Filhos de Deus também.
A mudança começa dentro da gente. E aí termina também. O que a aceitação do Evangelho provoca é a paz interior. Em vez de temer, me esconder e reagir às agressões, passo a aceitar as minhas limitações, confiar e viver o amor.
Viver o amor consiste em divulgar a boa nova, levar a paz ao coração do próximo e trabalhar pelo bem comum. Mas, o sucesso em cada uma dessas direções é relativo, dadas as nossas limitações naturais e a oposição do mundo.
Ainda assim, pequenos avanços podem ser obtidos. E cada passo à frente nos enche de confiança, alegria e amor, se reconhecemos por trás das nossas ínfimas conquistas o impulso da mão de Deus.
Dedicada à obra de Cristo, cada semente que germina, cada lei mais justa que se implanta, cada alma que se salva é motivo de júbilo. Mas, também, em cada aflição, cada derrota e cada incompreensão enfrentada, se somos capazes de permanecer unidos a Cristo, nos sentimos bem-aventurados, mais que vencedores.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Desordem e Progresso


A Criação se destina ao Reino de Deus no sentido de que este acabará por implantar-se por força de leis da Natureza ou o Mundo Criado é apenas o espaço onde se instalará o Reino por uma nova intervenção sobrenatural? Inclino-me pela segunda opção, ainda que admitindo que pelo aproveitamento das forças na Natureza se deva agir para ampliar esse espaço e preparar a vinda do Reino.
O Pai de nosso Senhor Jesus Cristo não criou um Mundo Mal para se destruído, mas sim um Mundo em que o Bem enfrenta o Mal. Quanto a isto não há dúvida. Também, acredito que Jesus Cristo é uma segunda presença divina completando a Criação. A questão é: será que essa intervenção sobrenatural de Cristo se dá para reforçar o Bem na caminhada vitoriosa para o Reino?
Penso que não. Cristo é radical e introduz uma nova dimensão no progresso rumo ao Reino. Ao sobrepor no coração do homem ao desejo de servir a Deus – ser bom - o de servir ao Deus que é Amor, ele subverte a ordem natural.
Quando a pessoa humana é invadida pelo Espírito Santo, vive o Paraíso na Terra, instaura imediatamente o Reino, por mais distante que este esteja na ordem natural. O sucesso que Cristo e os primeiros mártires vivenciaram não foi o de anteverem os resultados da divulgação do Evangelho ao longo dos séculos. Foi o de experimentarem naquele momento, pela graça da fé, a esperança da felicidade eterna.
Talvez se consiga em algum momento verificar que a misericórdia e o perdão, enquanto manifestações da virtude teologal da Caridade, contribuam para o desenvolvimento econômico, social e ecológico. O mesmo podem produzir ações voltadas para a promoção da fé no amor do Pai e da esperança na vida eterna. Mas, nenhuma dessas manifestações de amor conduz a um alinhamento correto, do ponto de vista do avanço em direção ao Reino, nas questões e conflitos políticos. 
Os pobres recebem a mensagem da Cruz antes dos ricos, embora a pobreza dificulte servir. A graça de Deus alcança preferencialmente os que conseguem libertar-se dos cuidados do mundo e as preocupações dos pobres são mais simples e, por isso, mais fáceis de desprezar. A caridade impele o cristão a voltar-se para esses cuidados, mas pela sua importância imediata, não por uma motivação estratégica.
Por isso, o cristão na política é peixe fora d’água. Não sacrifica os meios do entendimento aos fins do avanço, mas subordina os meios da riqueza aos fins do amor. Questiona os direitos impostos pelo poder da maioria tanto quanto pela exigência da razão. Não vê o direito como cristalização do poder, antes busca assegurar direitos às minorias, aos errados, aos estrangeiros, aos fracos.
Entre os desamparados que o cristão na política irá defender por amor estão as futuras gerações. Agindo neste sentido, ele estará aliado aos políticos que defendem a Natureza. Estará também aliado em muitos momentos aos que propugnam pela redução das desigualdades sociais. Essas forças são, em muitas análises, consideradas progressistas. Mas, estas serão coincidências momentâneas, posto que o objetivo final do cristão não é o desenvolvimento econômico, social, ambiental ou mesmo político, senão o bem-estar de pessoas que ele vê ameaçadas ou espoliadas. Em defesa das pessoas, o cristão na política subverte a ordem e revoluciona o progresso.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Abnegação


O cristão é aquele que renuncia a si mesmo para seguir a Cristo. Renunciar pode ter uma conotacão negativa. Mas, o eu mesmo a que o cristão renuncia não é algo que lhe faça falta. É, ao contrário, algo que o limita, o enfraquece e o esvazia.
A renúncia a si mesmo envolve, em primeiro lugar, a renúncia do cristão a saber por si mesmo mais sobre o céu do que é possível a criaturas terrestres, a escolher por si mesmo uma posição a respeito daquilo que é inacessível à mente humana, a ter opinião própria sobre o Absoluto. Substitui, no âmbito do saber, a pretensão de descobrir Deus por si mesmo pela aceitação do ensinamento que Jesus nos deu com a sua vida. Qual é este ensinamento? Simplesmente, que há um Deus, que é Pai, que nos ama imensamente.
Envolve, em seguida, a renúncia a um querer mais do que é possível. O Cristão pode querer, com a confiança de que a vontade de Cristo se cumprirá. Basta, para que a sua vontade seja bem sucedida, para que seu desejo seja satisfeito, que esteja de acordo com a vontade de Deus. Podemos contar com o atendimento a tudo quanto pedirmos em nome de Jesus.
E o que é que Jesus pede? Qual é a vontade de Deus? Que amemos. E para isto pede a terceira renúncia e a mais importante. Que renunciemos a todos os sentimentos próprios, colocando em seu lugar o sentimento divino, o amor.  A graça do amor ao próximo como a si mesmo e ao Criador acima de todas as suas criaturas envolve a renúncia a nossa vida neste mundo em troca da vida eterna, que consiste no gozo desse amor.
Esse sentimento de amor eterno deriva da fé na bondade do Pai e da adesão à sua vontade. Mas, para se impor, precisa da renúncia ao ilusório bem estar individual neste mundo, ilusório porque perturbado sempre pelas ameaças e incertezas que cercam cada um de nós. Para amar, precisamos nos livrar das preocupações com a sobrevivência pessoal que enchem a pessoa de sentimentos de medo, vergonha e raiva.
Não há dúvida de que é difícil reagir com amor a certas situações. Condenações injustas, dilemas insolúveis, padecimentos físicos... parece inevitável que nos agrilhoem ao ódio. Só renunciando a nós mesmos como Jesus renunciou na Semana Santa é que nos podemos libertar desses grilhões.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Sentido da Cruz

O que é pura e totalmente humano é o medo, a vergonha e a raiva. Estes sentimentos são a resposta natural ao ambiente em que a dor, o erro e o desprezo nos atingem todo o tempo. A vida orientada por estes sentimentos é um mover-se para a morte e o nada. Cristo nos dá a força para superá-los.
Há sempre no mundo também experiências de paz, confiança e solidariedade, mas, servem, ordinariamente, para dimensionar a dificuldade que se lhes opõe. As aspirações de segurança, autossuficiência e aprovação permanecem insatisfeitas. O essencial é que, enquanto a única perspectiva é a de cada um por si contra tudo e todos, o resultado final é exclusivamente a morte. As experiências do bem, limitadas e passageiras, não são capazes de anular a atmosfera dominante senão quando entendidas à luz da revelação do sentido da vida, isto é, quando vivenciadas no contexto da boa-nova do amor do Pai.
Por outro lado, é impossível destacar o pura e totalmente natural, o pura e totalmente vazio de sentido. Creio que é sempre possível encontrar em cada ser humano a oposição à morte, à incoerência e à maldade. Assim, prevaleça ou não a busca de sentido, a falta de sentido nunca é absoluta.
Mas, quando chega o amor cristão, produz uma inversão. Passam a prevalecer sobre o medo a confiança no Pai, a alegria de viver e a aspiração de salvar, que, juntas, caracterizam o engajamento na cruzada de Deus por todos.
Na história de cada ser humano hoje há a possibilidade de Cristo surgir da mesma forma que houve na história da humanidade um momento em que ele surgiu. Aquele que recebe a sua visita, como aconteceu com o povo da Judéia, tanto pode aceitá-lo, quanto rejeitá-lo. Ele vem sempre como algo totalmente novo e aceitá-lo significa sempre uma revolução interna.
A sobrevivência da espécie humana tem estado sempre baseada na luta, no individualismo e na competição. Isto valeu sempre. Para a cultura extrativista, para a agropecuária feudal, para o mercantilismo, para o capitalismo, para a economia do conhecimento. Jesus Cristo não interfere na ordem econômica senão de forma radical. Subverte os valores econômicos ao sustentar o prevalecimento dos desígnios divinos sobre os planos humanos, ao fomentar a aspiração à realização pessoal em outra vida a que se atinge mesmo morrendo, ao preferir servir gratuitamente a ser servido. 
Esta subversão dos valores individuais tem efeitos indiretos sobre a sociedade, mas, age essencialmente no indivíduo. A condenação de Jesus foi uma decisão dos indivíduos e não da sociedade do seu tempo. Do mesmo modo, hoje, cada indivíduo que trava contato com a boa nova do amor do Pai, da vida eterna, da absoluta dignidade do mais pobre, amargo e pecador ser humano, é chamado a optar entre a forma de vida a que está acostumado e outra radicalmente oposta. O tamanho dessa mudança faz que ainda hoje poucos se disponham a recebê-Lo.

domingo, 16 de dezembro de 2012

O Bordado de Luz


A História da Salvação se realiza como uma tapeçaria em que somos novelos de linha do lado de baixo da tela em que vamos sendo fixados por laçadas para o lado de cima. Cada ato de amor é um ponto. Enquanto estamos do lado de baixo só vislumbramos a obra que se produz do lado de cima quando somos lançados para esse lado. Então, percebemos a sua beleza, mas, de forma rápida e incompleta. Quando o bordado chegar ao fim, da posição que nos couber do lado de cima poderemos apreciar toda a obra.
O artesão é o Pai, o material é o espírito do amor em nós e a agulha que nos pega e alça através da tela é Cristo.
Para nos alcançar, Cristo tem de ser um homem como nós. Mas, para nos conduzir ao outro lado, tem de ter uma origem divina. Esta questão, da divindade de Jesus, exigiu, séculos atrás o pronunciamento de bispos em um Concílio e tentar explicar mais como um homem pode ser Deus e como Deus pode ter natureza humana é candidatar-se a herege.
Entretanto, podemos ver como um homem cheio de amor é capaz de encher outros homens de amor. Podemos seguir Jesus na sua pregação, no seu caminho até o Calvário, na sua ressurreição.
Estamos do lado humano e só atravessamos momentaneamente para o lado divino ao realizarmos uma contribuição para a salvação dos homens. Voltamos logo ao nosso lado escuro, contraditório, inconsistente. E aqui ficamos até sermos alçados a nova contribuição. Mas, a cada passagem ao outro lado, a cada contribuição para o trabalho do amor, voltamos mais fortes em sabedoria, confiança e caridade, pois cada visão da obra que se constrói nos fortalece.
Esta metáfora da tapeçaria, que já li em mais de um lugar, é uma versão para a era industrial da parábola da vinha da verdade. A parreira é Cristo e os parrachos, os cristãos. Damos fruto quando amamos. Dar fruto é corresponder ao cuidado do Pai.
Quanto  mais unidos a Jesus, tanto mais vivos, tanto mais presença em nós do Espírito da Luz.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O Mistério da Fé


O Deus que Jesus revelou, além de único e absoluto, como o Deus dos Judeus, é também, como este, vivo e pessoal. As características de uno e absoluto significam ausência das contradições a que estamos nós sujeitos. Mas, é vivo, e não estático, de modo que se faz perceber por nós de diferentes formas. Assim se apresenta nas três pessoas que reconhecemos.
Não é um Deus que pôs o Mundo em movimento e se afastou, mas, um Deus que, embora separado da sua criação, se relaciona com os homens em um diálogo permanente, em que nos fala e nos ouve. Sua presença mais próxima é pela vida de Jesus, o qual é personificação verdadeira e integral de Deus. Porque esse Deus é simplesmente Amor.
O Pai, criador compassivo, devotado ao bem de cada uma das suas criaturas é outra personificação do Amor absoluto. A terceira pessoa de Deus que podemos conhecer é o Espírito, que Jesus deixou aos seus discípulos e lhes permite ultrapassar os limites da sua natureza quando amam seguindo o exemplo de Jesus. O Espírito em cada um de nós é Deus vivo como Jesus e o Pai.
 Cristo ressuscitou e sua Cruz separa do mundo os discípulos que se tornam como Ele Filhos de Deus enquanto possuidores do seu amor. O que não nos impede de nos separarmos de Deus, cada vez que recaímos nos hábitos antigos. Quando esquecemos da nossa fé no amor de Deus, quando desesperamos da vida eterna, quando desistimos de nossos irmãos, caímos de volta na nossa condição natural de criaturas caminhando à toa.
Essa divisão interna caracteriza o cristão. Ora somos parte do Deus Eterno, ora somos pó que desvanece. É a mesma divisão que há entre a Terra e o Céu, entre o natural e o sobrenatural. Ainda que fugidio, cada momento em que participamos do amor divino nos coloca na eternidade. Enquanto tudo mais se esvai, esses momentos constituem nosso crescimento no Absoluto, nossa participação na vida divina, a construção da nossa pessoa de Filho de Deus.
A experiência da dor que nos atinge, dos erros que cometemos, da maldade que nossos semelhantes nos fazem, nunca autorizariam a fé em um Deus Pai, de amor mais forte que qualquer oposição. Jesus Cristo, entretanto, anuncia esse Pai com uma confiança que o leva a enfrentar a morte na cruz para convencer-nos dela. Seus amigos, de fato, recebem do seu sacrifício a certeza desse amor, a esperança de mais amor, a vontade de comunicar a todos a maravilha desse amor.
A presença do sobrenatural em nós é um mistério, o mistério da fé. O sobrenatural se faz presente dentro de nós, pela graça da fé. O mistério da felicidade eterna em nós consiste em recebermos uma capacidade de perdoar, esperar e amar de Jesus, ainda que tudo que objetivamente nos acometa peça condenação, medo e raiva.
A verdadeira fé cristã é a certeza que a Cruz traz e prevalece contra qualquer evidência, de que Deus nos ama, de que há um amor absoluto como uma luz que dissolve toda treva. Quando esse amor nos atinge, torna amáveis as fraquezas, os percalços, os inimigos.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Caminho para o Absoluto


A ciência se desenvolve mediante a construção de provas que ampliam a coerência interna do conhecimento teórico. Por maior que seja tal coerência interna, nunca é absoluta e tal conhecimento é sempre incompleto. Por maior que seja o edifício da ciência, seus alicerces estarão sempre no vazio devido a essa incapacidade da natureza humana de atingir o conhecimento absoluto.
Seria interessante, sustentar todo o conhecimento sobre a base de uma revelação divina, mas, para captar esse conhecimento fundamental precisaríamos estar fora do processo da vida, fora da Natureza e da História. Só de fora do tempo e do espaço é que se pode ter o conhecimento absoluto.
Entretanto, embora não possamos ligar o conhecimento a Deus na origem, podemos chegar ao conhecimento sobrenatural de Deus, ao conhecimento de Deus acima da natureza.  A religião tem, ao longo dos séculos, procurado produzir esse relacionamento com o absoluto estando nós limitados ao relativo.
Podemos transcender os limites da nossa natureza de conhecer concatenando aspectos limitados e chegar a falar com Deus. Mas, para isso, é preciso, antes, que Deus venha a este mundo e fale conosco, não como causa última e motor externo, mas, no meio da História. E Deus, de fato, se revela aqui e agora. Como Amor. Protegendo, motivando e conduzindo. Eu ainda não consigo falar a Ele, mas já consigo ouvir a Sua voz, sentir o Seu afeto, e segui-Lo.
Deus se revela aqui e agora entrando na História como Jesus Cristo. O sacrifício da Cruz é o axioma fundamental de um novo tipo de conhecimento. Jesus suporta em paz um sofrimento mortal porque tem uma fé sobrenatural na bondade do Pai, porque tem a esperança da vida eterna, porque quer trazer à prática cotidiana o amor de Deus por nós.
Esta verdade transcendente pode alcançar-nos ou não. Alcança-nos se recebemos a graça de nos unirmos a Jesus, de compartilharmos dessas três virtudes que nos põem em contato com o absoluto. Penetramos o conhecimento absoluto ao mesmo tempo em que descobrimos sua bondade absoluta.  A fé, a esperança e o amor são Jesus Cristo dentro de nós. São virtudes que nos tornam filhos de Deus, que ultrapassam as possibilidades da nossa natureza.
 A experiência de Cristo foi a experiência humana de dor, humilhação e morte.  Ao enfrentá-las, Jesus traz a este mundo o amor sobrenatural do Pai e o coloca ao alcance das nossas aspirações. O que era impossível se realizou. E agora se realiza no coração do cristão, tanto quanto se realiza no coração do Pai na criação do mundo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Três Usos da Palavra Amor


Faz sentido crer que o Criador ame o que criou. Portanto, o amor à vida é divino e unimo-nos a Deus quando extraímos satisfação de perceber a vida.
Mas, o mesmo Criador criou também a dor que nos atinge em certos momentos neste mundo. Não faz sentido crer que a dor satisfaça o Criador, antes o contrário. Então, não faz sentido que a criatura sofra eternamente. Conclui-se que a dor tem de ser efêmera.
Não ser eterna não torna a dor menos má. Gostaríamos que ela não existisse, nem temporariamente. Que sentido tem a dor para o seu Criador? Uma extensão da satisfação com a vida é a simpatia com o que sofre. Creio que Deus simpatiza com o que sofre. Simpatizar é, então, um segundo nível de amor divino, acima da satisfação de estar vivo. E este segundo nível está também ao nosso alcance.
Enquanto a insatisfação justificada com a vida tem de ser temporária, sê-lo-á também a antipatia com o que quer que nos faça sofrer?  Deus quer a satisfação com a vida e a simpatia. Mas, como não quer a dor, creio que também não que a antipatia.
 Deus não simpatiza com o que sofre a ponto de eliminar a dor, pois, senão, lhe bastaria não tê-la criado. Ao mesmo tempo, sua existência nos dá a oportunidade de reduzi-la tanto quanto esteja ao nosso alcance. Creio que Deus não a extingue para que possamos nós participar do seu combate a ela, a que a simpatia com o que sofre e a antipatia com o seu sofrimento nos conduz. Agir em solidariedade com o que sofre é a terceira e maior forma de participação no amor divino.
Mas, neste ponto, o Criador abre espaço para um mal maior que a dor e a antipatia, justificada ou não. Note-se, entre parêntesis, que já abriu espaço para antipatias injustificadas, mas que hão de ser efêmeras como a dor. Agora, neste terceiro nível, da ação, coloca a nosso alcance, em contrapartida à possibilidade de ajudar a enfrentar a dor, a de executar algo que não faz sentido para Deus: dificultar injustificadamente a vida, criar mais sofrimento para as criaturas, optar por aumentar a dor do outro em vez de colocar-se a seu lado. Esse espaço tem de ser aberto, porque não podemos escolher dar a nossa vida ao combate de Deus se a escolha não tiver também a alternativa de nos negarmos à solidariedade.
Ao nos dar a oportunidade de entrar nessa tarefa, Deus nos permite rejeitá-la e preferirmos ser seus oponentes. Neste ponto, da resposta negativa ao chamado a participar da boa obra, o Mal tem dimensão eterna. Só a vitória na luta contra a preferência voluntária pelo Mal, pode limitá-lo ao plano deste Mundo. E essa vitória não é nada certa.
Não faz sentido, mesmo no plano eterno, criação sem custo. Depois de transferir para o plano do descartável os custos da dor e da insatisfação com ela, chegamos agora ao custo, indispensável para Deus, do amor compartilhado: a liberdade humana. A vontade de estender o bem para todos não é uma resposta automática, como a satisfação e a simpatia em resposta à percepção do bem em si e no outro. É uma manifestação da vontade livre do homem que ao escolher agir como Filho de Deus sacrifica seu bem estar para fazer um bem maior.
Deus quer a satisfação de vencer conosco, mas, não a pode ter sem um risco de ser vencido eternamente. Para enfrentar esse risco, vem Jesus Cristo ajudar-nos na nossa escolha. Com seu exemplo de amor ao Criador que nos diz que é Pai. Com seu exemplo de amor às criaturas, que a todas perdoa. E, afinal, com seu exemplo de doação dolorosa da própria vida.
Participar do amor de Jesus ao Pai é a forma mais completa de amar a vida. Juntar-se ao perdão de Jesus é a mais forma mais completa de simpatizar com alguém. Depois de encontrar a eternidade no amor de Jesus ao Criador e às criaturas, torna-se mais fácil aderir ao espírito do amor no seu nível mais alto e abraçar a cruz que melhor nos caiba.

domingo, 2 de dezembro de 2012

A Esperança do Universo


Toda a criação está gemendo por algo que desconhece, mas lhe é essencial. Está gemendo com a necessidade de ser libertada de um estado que é apenas uma transição e não uma realidade, de ultrapassar uma condição que não corresponde de modo algum à intenção que deu origem à existência. Em todas as partes da criação, este gemido de uma ideia acorrentada em busca de uma vida mais livre parece ser a primeira exigência cumprida de um mandato sagrado, o primeiro movimento realizado por um ser agrilhoado em direção à liberdade em um novo nascimento.
Há muitos, eu suspeito, que do oitavo capítulo da epístola de São Paulo aos Romanos extraem isto e nada mais: que os animais inferiores que estejam vivos no retorno do Senhor, quando quer que isto ocorra, e os que desde então possam vir a existir, levarão uma vida feliz pelo tempo que lhes caiba! Grandes paladinos de Deus, esses sagazes fiéis! Que amantes da vida, que discípulos de São Paulo, ou melhor, que discípulos de Jesus, esses que consideram que uma tal saída é consolo para os gemidos do universo!
Se a vida eterna é uma ideia de algum modo preciosa para você, é essencial para que desfrute dela que ninguém abaixo de você participe da sua realização? Você é o tipo mais baixo de criatura que poderia ser autorizado a viver? Se Deus tivesse um coração como o seu, Ele teria dado a vida e a imortalidade para criaturas tão inferiores como nós?
Aqueles que esperam pouco não podem crescer muito. Para eles, a própria glória de Deus deve ser uma coisa pequena, pois a sua esperança é tão pequena que não justifica regozijo. Que Ele é um criador fiel não significa nada para eles, dada a maneira como veem a parte amplamente majoritária das criaturas que Ele fez! De fato, a sua noção de fidelidade é tão pobre que não pode ser forte a sua fé!
As coisas criadas, olhando, na ponta dos pés, esperam a revelação dos filhos de Deus. Por quê? Porque Deus sujeitou a criação à vaidade na esperança de que a própria criação seja redimida da prisão da corrupção para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Por esta dupla libertação - da corrupção e da consequente sujeição à vaidade, a criação está aguardando ansiosa.
Deus enfrenta e reage às cadeias da corrupção com a submissão à vaidade. A corrupção é o rompimento da ideia essencial, é a queda para fora do ninho, para fora do pensamento causador da vida. Enfrenta o sofrimento que ela mesma causa. Este sofrimento é para redenção, para libertação. É viver naquilo que se corrompe que torna possível o sofrimento. É a parte viva, não a parte corrompida, que sofre. É o que é resgatável​​, não o que está condenado, que está sujeito à vaidade. A espécie humana em que o mal, isto é, a corrupção, está agindo, necessita, como único caminho para o seu resgate, a sujeição à vaidade. É a única esperança contra a supremacia da corrupção. E toda a criação, que cerca, abriga e ajuda a humanidade, para o bem desta, sua cabeça, e para o bem dela própria também, participa desta sujeição à vaidade com sua esperança de libertação.
Quanto mais coisas os homens possuem, tanto mais eles imaginam que precisam, tanto mais eles estão sujeitos à vaidade, todas as formas da qual podem ser resumidas na palavra decepção. Aquele que não aceita o desapontamento, é obrigado a procurar o incorruptível, o verdadeiro. É obrigado a quebrar as cadeias de posses, exibições, rumores, elogios, fingimentos e prazeres egoístas. É obrigado a sair do falso para o real, sair da escuridão para a luz, sair da escravidão da corrupção para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Para levar os homens a romper com a corrupção, põe-se diante deles o abismo dos bocejos ocos. Com a alma horrorizada, clamam: "Vaidade das vaidades! tudo é vaidade!" e para além do abismo começam a descobrir o mundo eterno da verdade.
Tanto quanto a criação geme em trabalhos de parto nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos aguardando .... a redenção do nosso corpo. Nós não somos livres, isto implica, até que nosso corpo seja remido. Então toda a criação será livre conosco. Assim, Paulo considera a criação como parte da nossa encarnação. Toda a criação está aguardando a manifestação dos filhos de Deus, isto é, a redenção do seu corpo, cuja noção se estende a toda sua envoltória material, com toda a vida que lhe pertence. Para esta como para eles, as cadeias da corrupção devem cair. Ela deve entrar na mesma liberdade com eles, e tornar-se aquilo para que foi criada - um templo vivo, aperfeiçoado pela habitação ininterrupta do seu deus.
Quando os filhos estejam livres, quando seus corpos estejam resgatados, eles vão erguer com eles a criação inferior para a sua liberdade. A perfeição dos filhos aguarda também os habitantes mais humildes do nosso mundo, a chegada destes seguindo imediatamente a manifestação dos filhos de Deus. Para o nosso bem e deles mesmos foram submetidos à vaidade. Para o nosso bem e deles mesmos, serão restaurados e glorificados, isto é, elevados conosco. (Resumo de The Hope of the Universe, de George MacDonald)