sábado, 26 de janeiro de 2013

O Cristão e a Dor


Um amigo me disse que foge de Jesus Cristo por não se julgar capaz de viver como cristão. Não é só pela vergonha, que sentiria ao dar um passo à frente e depois não se sentir capaz de sustentá-lo. É pelo medo da dor que, na sua maneira de ver, é o laurel com que são coroados os que decidem seguir a Jesus. Ele vê Cristo como um segundo Jó e o seguidor de Cristo como um candidato a mártir. Sua percepção é que o caminho que Cristo traçou consiste em carregar uma cruz pesada sem a qual não se conquista a recompensa da vida eterna.
Eu também já pensei assim. Mas, Jesus não é um segundo Jó. A paciência de Jó é apenas um pedaço da fidelidade de Jesus. Ainda falta a Jó o conhecimento do amor de Deus Pai que só com Jesus veio a ser plenamente revelado. A história de Jó mostra que o sofrimento não é pagamento da culpa. Jesus revela mais, que o sofrimento e mesmo a culpa fazem parte de um plano de um Deus que nos quer dar um bem muito maior que todo mal, um bem que não é retribuição de nenhum esforço extraordinário, mas a simples consequência de aproveitarmos a vida que recebemos para nos aproximarmos dEle.
Quando essa aproximação inclui etapas de sacrifício e martírio, qualquer que seja seu custo é suportado com alegria. O exemplo de Paulo é claro. Ele relata as dores, contradições, fracassos que enfrenta. Mas não deixa de narrar sua satisfação e de nos lembrar: regozijai-vos sempre!1...
Jesus revela um Deus que está presente neste mundo, todo tempo, como um pai amoroso cuidando de Suas criancinhas e patrocinando, de múltiplas maneiras, a transformação de todo ser humano em Seu herdeiro pleno, apto a levar adiante a luta dEle e regozijar-se com as vitórias dELe. Há seres vivos que não podem alcançar Jesus e que Jesus alcança com sua misericórdia. Devemos empregar nossa vida nesse mundo, com Jesus, para que sofram menos e sejam mais felizes. Mas, nós, que O recebemos e com Ele nos tornamos Filhos de Deus, recebemos uma nova vida e uma felicidade eterna.
O cristão erra, sem culpa e sofre, sem culpa. Pior que isso, é capaz de pecar às vezes, quando a alma doente opta por se afastar do caminho que sabe ser a sua parte na construção do reino de Deus. Mas, quando encontra a verdade, todo seu sofrimento se desfaz e, quando se entrega ao amor, pode confiar que toda sua culpa é perdoada.
A história de Jó é de uma criatura que quer obedecer a Deus e, ao reconhecer suas limitações, é recompensado. Nós, agora, podemos eventualmente enfrentar as mesmas dificuldades de Jó com a mesma fraqueza. Mas, encontramos ao nosso alcance consolo incomparável se nos alinhamos à vontade de Deus. O desígnio de Deus para nós não é o sofrimento, mas, a sabedoria, o amor e a alegria. No mesmo mundo hostil, ao contrário de Jó o cristão não recebe apenas uma recompensa futura. Ele recebe aqui e agora, na companhia de Jesus, a filiação divina.

1 Filipenses, 2, 17/18, 3, 1 e 4,4, Romanos, 8, 15 e 14, 17, I Coríntios, 4, 13, II Coríntios, 6, 10, Gálatas, 6, 22, Efésios, 3, 13, Colossenses, 1, 11, I Tessalonicenses, 5, 16, II Tessalonicenses, 2, 16 e 17...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Dualidade e Unidade


O bem e o mal são próprios da vida nesta Terra. Não conseguimos entender nada sem dualidade, nem mesmo Deus. Há uma oposição entre um deus humano e o divino. O Deus humano é o Deus antes de Cristo. E é também o antiCristo. É o homem que eu sou agora ocupando o lugar do Deus que É eternamente. O verdadeiro Deus é de todos.
O Deus antes da revelação do Deus-Pai de Jesus Cristo é o Deus-amor de si mesmo contra o outro, amor à casa contra o vizinho, amor à nação contra o estrangeiro. A esse deus o amor de si mesmo pede que proteção sobrenatural seja dada ao próprio interesse, do seu lar, do povo escolhido. Tem como pressuposto a divisão entre os que estão dentro e são amados e os que estão fora, que são odiados.
Cristo, ao contrário, me aproxima do outro. Enquanto o Deus primitivo, ainda que esteja fora de mim, existe em função de mim, é força, refúgio e proteção para mim, o Deus do cristão pertence a todos e possui a todos. O Deus de Casa opõe-se ao dar, ao envolver-se e ao prazer. Já o Deus de todos convida a participar da sua obra, a simpatizar com todo homem e a dar valor a toda criatura.
Os dois deuses lutam dentro da gente. O antiCristo exigindo que a gente seduza, explore, prevaleça. O Deus-Amor libertando-nos, capacitando-nos a participar da comunidade humana, a ajudar todo ser vivo, a alegrarmo-nos com o bem estar do próximo. A amar em todos os sentidos: filos na pregação, ágape na paixão, eros na ressurreição. O exemplo de Cristo é de liberdade, confiança e amor. O do antiCristo é de vergonha, medo e despeito.
O antiCristo, embora naturalmente mais forte dentro de nós, é contraditório ao mandar explorar e, ao mesmo tempo, seduzir. Essa sua dualidade o enfraquece e abre espaço para que a graça sobrenatural do Amor o vença. Cristo vence neste mundo porque seu Deus-Pai nos une uns aos outros. Mas, sua vitória mais significativa não está em superar os obstáculos do mundo, senão em ultrapassá-los, em transcendê-los. O amor de Cristo transforma a morte em vida, abre o caminho para a eternidade. Enquanto o antiCristo apenas mata, ao praticar a caridade de Cristo se vive a vida eterna além da vida mortal.
A vida eterna começa quando acolhemos em nossas almas aquele que se deixou crucificar para ajudar a todos, tanto os que o condenam quanto os que o abandonam, Aquele que busca o Pai mesmo quando sofre na Cruz a dor dos cravos e a dor do abandono. No mundo passaremos por aflições, pois sempre haverá conflitos, por exemplo, entre a exploração dos recursos naturais e a necessidade de preservá-los, entre o valor do trabalho e a inovação que poupa energia, entre a justiça e a caridade na distribuição dos bens. Quando nos unimos no espanto diante da certeza de Jesus, na gratidão pelo seu sacrifício e na vontade de segui-lo na implantação do amor, atravessamos o tempo e saltamos para a eternidade.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Um Pouquinho de "Mero Cristianismo"


Lewis era ateu, por não conseguir aceitar a existência de Deus diante deste universo imensamente injusto e cruel. Então, pensou: de onde tirei essa ideia do "justo" e do "injusto"?  Com que estava eu comparando este universo ao chamá-lo injusto? Se o espetáculo inteiro era mau e absurdo de A a Z, por assim dizer, por que eu, que em princípio não passava de um número nesse espetáculo, reagia tão violentamente contra ele? Se o universo inteiro não tivesse sentido, nunca nos pareceria não fazer sentido; da mesma forma que, se no universo não houvesse luz e, consequentemente, criaturas dotadas de olhos, nunca saberíamos o que é "escuro".
Assim, a prova da existência de Deus preferida por Lewis, em Mero Cristianismo, é que temos um certo e um errado reais e objetivos. Podemos às vezes estar engana­dos a respeito de um e outro, tal como às vezes nos engana­mos nas somas e subtrações, mas nem por isso o certo e o errado passam a ser uma questão de simples gosto ou de opinião pessoal. Os seres humanos têm a idéia de que deveriam comportar-se de uma certa forma, e não conseguem livrar-se dessa idéia mesmo que queiram. 
Como, na realidade, não nos comportamos dessa forma, Lewis nos vê em um dilema: se o uni­verso não é governado pela Bondade absoluta, qualquer coisa que façamos é inútil a longo prazo; se o é, a cada dia que passa vamo-nos tornando mais inimigos dessa Bondade. Não pode­mos estar sem a Bondade e não podemos estar com a Bondade.
Admite dois pontos de vista para encarar o problema de um universo que contém muitas coisas evidentemente más e aparentemente desprovidas de sentido e contém igualmente criaturas como nós, que sabem que existem coisas más e absurdas.  Um deles, o cristão, segundo o qual este mundo é um mundo bom que se corrompeu em boa parte, mas que continua a manter viva a memória do que deveria ter sido. O outro, o do dualismo, segundo o qual há dois poderes iguais e independentes por trás de todas as coi­sas, um bom e outro mau, e este universo é o campo de bata­lha em que travam um contra o outro uma guerra sem fim.
Aponta a insuficiência do dualismo: Afirmar que há um "Poder Bom" e outro "Mau" só faz sentido se pretendemos significar que um deles está objetivamente errado e o outro objetivamente certo. No momento em que reconhecemos esta verdade, porém, estamos aceitando implicitamente que existe no universo uma terceira coisa além desses dois poderes: algum tipo de lei, de padrão ou regra do bem, com o qual um desses poderes - o bom - está de acordo, e o outro não. Mas, se ambos devem ser julgados por esse padrão, então esse mesmo padrão - ou o Ser que o fez - é anterior e superior aos dois: ele é que é o verdadeiro Deus. Na verdade, o que queríamos dizer ao falar num Poder Bom e num Poder Mau era apenas que um deles está na relação correta com o verdadeiro e definitivo Deus, e o outro numa relação errada.
Mostra-nos, então, sua visão deste mundo como um território ocupado pelo inimigo. E do cristianismo como a história de como o Rei legítimo desembarcou e nos conclama a participar de uma grande campanha de resistência. Cristo veio a este mundo e tornou-se homem para contagiar os outros homens com o tipo de vida que Ele mesmo possui.
Completa sua explicação da possibilidade do Mal com a necessidade de ser voluntária a adesão ao Bem. Para aderirmos a Cristo precisamos do livre arbítrio. Não se pode ser livre para ser bom, sem ser livre para ser mau. Mas, apesar de tornar possível o mal, o livre-arbítrio é a única coisa que torna possíveis todo o amor, toda a bondade e toda a alegria que mereçam esse nome. Assim, o cristão não é alguém que nunca peca, mas alguém que, depois de cada tropeço, é capaz de arrepender-se, reerguer-se e recomeçar, porque a vida de Cristo está dentro dele, reparando-lhe as feridas o tempo todo e tornando-o apto a repetir, em certa medida, o mesmo tipo de morte voluntária a que Cristo se submeteu. 
Resumo final: O cristão re­conhece que todo o bem que faz procede da vida de Cristo que traz dentro de si. Sabe que Deus não nos ama por sermos bons, mas que nos fará bons porque nos ama. Cristo é o Filho de Deus: se participarmos do seu tipo de vida, também nós seremos filhos de Deus, amaremos o Pai como o Filho o ama e o Espírito Santo brotará em nós. 






sábado, 5 de janeiro de 2013

Por quê?

Por que nos perguntamos por quê? Creio que é porque há uma resposta, porque há um sentido. E se há um sentido, pode ser outro senão um sentido bom, o sentido do bem? Simples assim, sem longa filosofia e sem psicologia profunda, é assim que leio C. S. Lewis – Mero Cristianismo e Victor Frankl – Sede de Sentido.
Por que Deus nos criou assim tão fracos? Ralando joelhos, pegando dengue, diarreia e AIDS... Buzinando, batendo com o carro, criando blitzes de trânsito, campos de concentração... Brigando, roubando, mentindo, xingando... Perdendo dinheiro, perdendo tempo, perdendo a memória, envelhecendo?...
Se é um Deus Pai, um Deus Amor... Por que permite o medo, a vergonha, o ódio? Que desprezemos o outro, a nós mesmos, a Ele mesmo?
Só pode ser para nos amar assim como nós somos. Como Jeová, que deixa o inimigo fazer miséria com Jó para poder vir depois ajudá-lo a vencer a tentação e chegar ao bem maior.
Porque somos fracos assim, pode proteger-nos do Mal. Porque erramos assim, pode livrar-nos do fracasso. Porque não nos entendemos assim, pode nos unir no seu amor.
Deus nos fez ignorantes para nos ensinar a verdade, nos iluminar o caminho, nos fazer conhecer a sua vitória. Deus nos fez como somos para que sejamos como Ele é. Há duas histórias, a do mundo físico, da luta contra o Mal, e a do mundo espiritual, da videira da verdade e, enquanto a primeira se acaba, nesta última estão vivos para sempre o amor dEle por nós e a gratidão nossa a Ele.