Toda a criação está gemendo por algo
que desconhece, mas lhe é essencial. Está gemendo com a necessidade de ser
libertada de um estado que é apenas uma transição e não uma realidade, de
ultrapassar uma condição que não corresponde de modo algum à intenção que deu
origem à existência. Em todas as partes da criação, este gemido de uma ideia
acorrentada em busca de uma vida mais livre parece ser a primeira exigência
cumprida de um mandato sagrado, o primeiro movimento realizado por um ser
agrilhoado em direção à liberdade em um novo nascimento.
Há muitos, eu suspeito, que do oitavo
capítulo da epístola de São Paulo aos Romanos extraem isto e nada mais: que os
animais inferiores que estejam vivos no retorno do Senhor, quando quer que isto
ocorra, e os que desde então possam vir a existir, levarão uma vida feliz pelo
tempo que lhes caiba! Grandes paladinos de Deus, esses sagazes fiéis! Que
amantes da vida, que discípulos de São Paulo, ou melhor, que discípulos de
Jesus, esses que consideram que uma tal saída é consolo para os gemidos do
universo!
Se a vida eterna é uma ideia de algum
modo preciosa para você, é essencial para que desfrute dela que ninguém abaixo
de você participe da sua realização? Você é o tipo mais baixo de criatura que
poderia ser autorizado a viver? Se Deus tivesse um coração como o seu, Ele
teria dado a vida e a imortalidade para criaturas tão inferiores como nós?
Aqueles que esperam pouco não podem
crescer muito. Para eles, a própria glória de Deus deve ser uma coisa pequena,
pois a sua esperança é tão pequena que não justifica regozijo. Que Ele é um
criador fiel não significa nada para eles, dada a maneira como veem a parte
amplamente majoritária das criaturas que Ele fez! De fato, a sua noção de
fidelidade é tão pobre que não pode ser forte a sua fé!
As coisas criadas, olhando, na ponta
dos pés, esperam a revelação dos filhos de Deus. Por quê? Porque Deus sujeitou a criação à vaidade na esperança de que a própria
criação seja redimida da prisão da corrupção para a gloriosa liberdade dos
filhos de Deus. Por esta dupla libertação - da corrupção e da consequente
sujeição à vaidade, a criação está aguardando ansiosa.
Deus enfrenta e reage às cadeias da
corrupção com a submissão à vaidade. A corrupção é o rompimento da ideia
essencial, é a queda para fora do ninho, para fora do pensamento causador da
vida. Enfrenta o sofrimento que ela mesma causa. Este sofrimento é para
redenção, para libertação. É viver naquilo que se corrompe que torna possível o
sofrimento. É a parte viva, não a parte corrompida, que sofre. É o que é
resgatável, não o que está condenado, que está sujeito à vaidade. A espécie
humana em que o mal, isto é, a corrupção, está agindo, necessita, como único
caminho para o seu resgate, a sujeição à vaidade. É a única esperança contra a
supremacia da corrupção. E toda a criação, que cerca, abriga e ajuda a
humanidade, para o bem desta, sua cabeça, e para o bem dela própria também,
participa desta sujeição à vaidade com sua esperança de libertação.
Quanto mais coisas os homens possuem,
tanto mais eles imaginam que precisam, tanto mais eles estão sujeitos à
vaidade, todas as formas da qual podem ser resumidas na palavra decepção.
Aquele que não aceita o desapontamento, é obrigado a procurar o incorruptível,
o verdadeiro. É obrigado a quebrar as cadeias de posses, exibições, rumores,
elogios, fingimentos e prazeres egoístas. É obrigado a sair do falso para o real,
sair da escuridão para a luz, sair da escravidão da corrupção para a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus. Para levar os homens a romper com a corrupção,
põe-se diante deles o abismo dos bocejos ocos. Com a alma horrorizada, clamam:
"Vaidade das vaidades! tudo é vaidade!" e para além do abismo começam
a descobrir o mundo eterno da verdade.
Tanto quanto a criação geme em
trabalhos de parto nós mesmos, que temos
as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos aguardando .... a
redenção do nosso corpo. Nós não somos livres, isto implica, até que nosso
corpo seja remido. Então toda a criação será livre conosco. Assim, Paulo
considera a criação como parte da nossa encarnação. Toda a criação está
aguardando a manifestação dos filhos de Deus, isto é, a redenção do seu corpo,
cuja noção se estende a toda sua envoltória material, com toda a vida que lhe
pertence. Para esta como para eles, as cadeias da corrupção devem cair. Ela
deve entrar na mesma liberdade com eles, e tornar-se aquilo para que foi criada
- um templo vivo, aperfeiçoado pela habitação ininterrupta do seu deus.
Quando os filhos estejam livres, quando
seus corpos estejam resgatados, eles vão erguer com eles a criação inferior
para a sua liberdade. A perfeição dos filhos aguarda também os habitantes mais
humildes do nosso mundo, a chegada destes seguindo imediatamente a manifestação
dos filhos de Deus. Para o nosso bem e deles mesmos foram submetidos à vaidade.
Para o nosso bem e deles mesmos, serão restaurados e glorificados, isto é,
elevados conosco. (Resumo de The Hope
of the Universe, de George MacDonald)