sábado, 12 de janeiro de 2013

Um Pouquinho de "Mero Cristianismo"


Lewis era ateu, por não conseguir aceitar a existência de Deus diante deste universo imensamente injusto e cruel. Então, pensou: de onde tirei essa ideia do "justo" e do "injusto"?  Com que estava eu comparando este universo ao chamá-lo injusto? Se o espetáculo inteiro era mau e absurdo de A a Z, por assim dizer, por que eu, que em princípio não passava de um número nesse espetáculo, reagia tão violentamente contra ele? Se o universo inteiro não tivesse sentido, nunca nos pareceria não fazer sentido; da mesma forma que, se no universo não houvesse luz e, consequentemente, criaturas dotadas de olhos, nunca saberíamos o que é "escuro".
Assim, a prova da existência de Deus preferida por Lewis, em Mero Cristianismo, é que temos um certo e um errado reais e objetivos. Podemos às vezes estar engana­dos a respeito de um e outro, tal como às vezes nos engana­mos nas somas e subtrações, mas nem por isso o certo e o errado passam a ser uma questão de simples gosto ou de opinião pessoal. Os seres humanos têm a idéia de que deveriam comportar-se de uma certa forma, e não conseguem livrar-se dessa idéia mesmo que queiram. 
Como, na realidade, não nos comportamos dessa forma, Lewis nos vê em um dilema: se o uni­verso não é governado pela Bondade absoluta, qualquer coisa que façamos é inútil a longo prazo; se o é, a cada dia que passa vamo-nos tornando mais inimigos dessa Bondade. Não pode­mos estar sem a Bondade e não podemos estar com a Bondade.
Admite dois pontos de vista para encarar o problema de um universo que contém muitas coisas evidentemente más e aparentemente desprovidas de sentido e contém igualmente criaturas como nós, que sabem que existem coisas más e absurdas.  Um deles, o cristão, segundo o qual este mundo é um mundo bom que se corrompeu em boa parte, mas que continua a manter viva a memória do que deveria ter sido. O outro, o do dualismo, segundo o qual há dois poderes iguais e independentes por trás de todas as coi­sas, um bom e outro mau, e este universo é o campo de bata­lha em que travam um contra o outro uma guerra sem fim.
Aponta a insuficiência do dualismo: Afirmar que há um "Poder Bom" e outro "Mau" só faz sentido se pretendemos significar que um deles está objetivamente errado e o outro objetivamente certo. No momento em que reconhecemos esta verdade, porém, estamos aceitando implicitamente que existe no universo uma terceira coisa além desses dois poderes: algum tipo de lei, de padrão ou regra do bem, com o qual um desses poderes - o bom - está de acordo, e o outro não. Mas, se ambos devem ser julgados por esse padrão, então esse mesmo padrão - ou o Ser que o fez - é anterior e superior aos dois: ele é que é o verdadeiro Deus. Na verdade, o que queríamos dizer ao falar num Poder Bom e num Poder Mau era apenas que um deles está na relação correta com o verdadeiro e definitivo Deus, e o outro numa relação errada.
Mostra-nos, então, sua visão deste mundo como um território ocupado pelo inimigo. E do cristianismo como a história de como o Rei legítimo desembarcou e nos conclama a participar de uma grande campanha de resistência. Cristo veio a este mundo e tornou-se homem para contagiar os outros homens com o tipo de vida que Ele mesmo possui.
Completa sua explicação da possibilidade do Mal com a necessidade de ser voluntária a adesão ao Bem. Para aderirmos a Cristo precisamos do livre arbítrio. Não se pode ser livre para ser bom, sem ser livre para ser mau. Mas, apesar de tornar possível o mal, o livre-arbítrio é a única coisa que torna possíveis todo o amor, toda a bondade e toda a alegria que mereçam esse nome. Assim, o cristão não é alguém que nunca peca, mas alguém que, depois de cada tropeço, é capaz de arrepender-se, reerguer-se e recomeçar, porque a vida de Cristo está dentro dele, reparando-lhe as feridas o tempo todo e tornando-o apto a repetir, em certa medida, o mesmo tipo de morte voluntária a que Cristo se submeteu. 
Resumo final: O cristão re­conhece que todo o bem que faz procede da vida de Cristo que traz dentro de si. Sabe que Deus não nos ama por sermos bons, mas que nos fará bons porque nos ama. Cristo é o Filho de Deus: se participarmos do seu tipo de vida, também nós seremos filhos de Deus, amaremos o Pai como o Filho o ama e o Espírito Santo brotará em nós. 






3 comentários:

  1. O que significa sermos bons??
    Se Deus não nos ama por sermos bons, será que existe masmo bom, mau?
    O julgamento é de nós mesmos.

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    Respostas
    1. 1. O que significa sermos bons?
      Resposta: Lewis desenvolve todo o Mero Cristianismo em cima da constatação de que todos nos colocamos essa constatação, sabemos a resposta e, ainda que nos sintamos condenados por ela, temos uma saída.
      2. Se Deus não nos ama por sermos bons, será que existe mesmo bom, mau?
      Resposta: Premissa e conclusão sem ligação. Mesmo ateus clássicos, como Dawkins, admitem o bem e o mal (No caso de Dawkins geneticamente determinados). Já a premissa é que o amor de Deus é o ponto de partida, até para o bem e o mal.
      3. O julgamento é de nós mesmos.
      Resposta: Concordo. Para mim, ser bom é ser como Jesus Cristo.

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    2. Correções.
      Na resposta1, a segunda vez em que aparece a palavra "constatação", eu pensava escrever a palavra "questão".
      Na resposta 2, respondi à premissa e à conclusão explicitas e não ao silogismo implícito, explicitado com o prosseguimento: o julgamento é de nós mesmos. Nós somos bons e optamos pelo verdadeiro bem entre os múltiplos "ser bom", quando amamos como Deus ama, não precisando para isso realizar o bem que Deus quer. Talvez esta ideia de que Deus nos ama primeiro e mesmo que não nos comportemos como gostaríamos é que devesse ter sido melhor esclarecida.

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